Entrevista com Dra.Maria Pilar Astier Peña
08:42:00
Em agosto de 2014 o Programa de Residência organizou a oficina Raciocínio Clínico e Segurança do Paciente e contou com a presença da doutora espanhola Maria Pilar Peña. Entrevistamos a médica de família para sabermos mais sobre seu trabalho na Espanha e suas impressões sobre a saúde do Rio de Janeiro.
Dra. Maria Pilar Astier Peña é Licenciada e Doutora em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Zaragoza, Espanha.Possui Mestrado em Saúde Pública e Administração Sanitária pela Universidad de Valencia e Mestrado em Economia da Saúde e Gestão Sanitária pelas Universidades Central de Barcelona e Pompeu Fabra. Atualmente é Médica de Família e Coordenadora Médica do Centro de Saúde de Caspe (Zaragoza) do Serviço Aragonês de Saúde e realiza, também, pesquisa nas áreas relacionadas com os sistemas de informação, projetos de melhoria da qualidade assistencial no âmbito hospitalar.
2) Quais são os principais problemas da Atenção Primária ? Bem, quanto ao tipo de pacientes: o envelhecimento da população (17,4% maior de 65 anos) faz com que os pacientes apresentem mais co-morbidade e, portanto, maior poli-medicação, pois foi possível reduzir a morbidade nos últimos anos da vida.Por outro lado, o aumento da prevalência das patologias crônicas como o diabetes, a hipertensão, a obesidade, a artrose, etc., faz com que a carga de cuidados desta população aumente e precisemos procurar novas fórmulas de cuidados, trabalhando no empoderamento dos pacientes para conduzir sua doença com programas de pacientes experientes.Estas duas situações repercutem no uso de inúmeros medicamentos por parte dos pacientes. O médico de família deve estar capacitado para detectar interações medicamentosas, tomar conta de medicações com uma estreita margem terapêutica (digoxina, acenocumarol, antiepilépticos, opiáceos…), e cuidar para reduzir o risco de eventos adversos vinculados à medicação (47% dos eventos adversos em Atenção Primária na Espanha são por causa da medicação).Quanto à mobilidade da população dentro do país, existe uma limitação de acesso aos dados do prontuário eletrônico entre as comunidades autônomas, portanto, os pacientes que se deslocam para outras regiões, não possuem um conjunto mínimo de informação de saúde. O paciente deve levar ele mesmo seus relatórios médicos. A mesma coisa acontece com a prescrição eletrônica, que somente pode ser usada na região do paciente e não é compartilhada entre as outras regiões.Quanto aos profissionais: a situação económica atual está gerando importantes cortes nos orçamentos da saúde. Na Atenção Primária, isso afeta diretamente os profissionais. Eles viram como aumentou seu horário de trabalho semanal seguido de uma diminuição da remuneração, reduzindo-se, também, as contratações por substituição, e os investimentos em equipamentos.
3) Na sua recente visita a Brasil, o que foi que mais lhe chamou a atenção no Sistema de Saúde Brasileiro, e principalmente do processo de transformação da AP que está sendo implementado no Rio de Janeiro? A oportunidade de compartilhar alguns dias com vocês me permitiu conhecer como funcionam as equipes de Atenção Primária, como se formam os residentes de medicina de família, como está sendo planejada a implantação das novas equipes de Atenção Primária.Essa estrutura no planejamento do processo me parece fundamental junto com o funcionamento de indicadores de medição de resultados em saúde da população que permita valorizar adequadamente o trabalho das equipes de Atenção Primária. Em todos os centros que visitei constatei a responsabilidade, o profissionalismo e a empolgação de todas as pessoas das equipes que tive o prazer de conhecer. O trabalho docente que está sendo feito pelos orientadores e pela coordenação da unidade docente é crucial para um futuro investimento e para o desenvolvimento de uma Atenção Primária de qualidade.
4) Os programas de residência em MFC no Brasil ainda possuem uma baixa participação no País. Qual é o nível de participação na Espanha? É obrigatório ter o título de especialista para poder trabalhar no sistema público na Espanha? Os programas de residência de formação especializada médica NÃO dependem das universidades na Espanha. O sistema de formação médica especializado, também conhecido como MIR (médico interno residente), depende do Ministério da Saúde que é quem faz a convocatória anual do exame e realiza a oferta de vagas nos diferentes hospitais do sistema público de saúde para cada especialidade. Esse sistema começou em 1978.Existe um conselho nacional de especialistas em ciências da saúde e um comité especifico de cada especialidade que são os encarregados de elaborar o programa de formação e de certificar as unidades docentes dos hospitais e de Atenção Primária onde se desenvolve a formação. Da mesma forma, essas unidades são avaliadas periodicamente para garantir o correto cumprimento do programa.O programa MIR é obrigatório atualmente para poder exercer a medicina na Espanha e em qualquer outro país da União Europeia (Portaria 2005/36/CE).
5) Como estão as pesquisa na AP? Como é a inter-relação da universidade com o sistema de saúde? A questão da pesquisa na AP está melhorando graças à criação dos institutos de pesquisa dos serviços regionais de saúde. Esses institutos públicos facilitam os trabalhos burocráticos dos pesquisadores com as entidades de financiamento como, por exemplo, as bolsas oferecidas pelas comunidades autônomas, o Ministério da Saúde, o Conselho da Europa e as companhias farmacêuticas. O fato da tomada de decisão por uma bolsa de estudos para pesquisa pressupõe um processo de documentação longo e complexo, como também a posterior administração do dinheiro concedido, e esses institutos de pesquisa regionais tem facilitado o trabalho de casa aos pesquisadores. De fato, já foram iniciados ensaios clínicos de fármacos na Atenção Primária, e estamos conseguindo projetos de pesquisa na Atenção Primária em cooperação com outros países europeus.Também as sociedades científicas de médicos de Atenção Primária estão apoiando o desenvolvimento de linhas de pesquisa em doenças crônicas como a hipertensão, o diabetes, o controle da dor crônica, entre outras. A relação da Universidade com os profissionais médicos é estabelecida por meio dos profissionais que têm acesso, sendo professores associados de Faculdades de Medicina. Os professores associados ministram aulas teóricas e práticas a estudantes nos consultórios desses professores associados, nos serviços regionais de saúde, principalmente. Na maior parte das faculdades não existe qualquer departamento de medicina de família. Os médicos de família que colaboram como professores associados integram-se em outros departamentos. É por isso que os médicos de família não costumam desenvolver projetos de pesquisa na Atenção Primária que estejam vinculados às faculdades.Existem 21 faculdades de medicina públicas e 7 privadas.
6) No Brasil existe uma importante falta de médicos de família. Como está essa proporção na Espanha? Existem médicos de família suficientes para dar conta de toda a população? Atualmente a Espanha tem um superávit de médicos de família. Isso faz com que em muitas ocasiões, a oferta de vagas melhor pagas e com boas condições de trabalho seja escassa, porque existem muitos profissionais que querem essas vagas. De fato, muitos médicos de família devem emigrar para a Inglaterra, França, Suécia, Noruega e Alemanha para arranjar trabalho como médicos. Nesses países eles são muito benquistos em função do seu alto nível de qualificação.
7) Qual a cobertura de AP na Espanha? Na Espanha praticamente 99% da população tem cobertura pelo Sistema Nacional de Saúde.Os serviços públicos oferecidos pelas equipes de Atenção Primária do sistema nacional de saúde espanhol incluem atividades preventivas, de diagnóstico, de tratamento e reabilitação como também de promoção da saúde. A carteira básica de serviços está regulamentada pela Lei 16/2003 de coesão e qualidade do sistema nacional de saúde e pela Portaria 1030/2006 de 15 de setembro de 2006 que estabelece o conjunto de serviços comuns da carteira de serviços e o procedimento para sua atualização.A reforma sanitária sobre medidas urgentes para garantir a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde e melhorar a qualidade e a segurança de seus serviços, modifica a carteira de serviços (Portaria 16/2012, de 20 abril 2012), criando a carteira de serviços básica à qual cada comunidade autônoma poderá acrescentar os serviços que achar pertinentes. Esse decreto limita a cobertura de serviços aos cidadãos que tenham contribuído com a Previdência Social e com seus familiares beneficiários. Os que não contribuíram devem assinar um seguro público mediante pagamento mensal. A atenção urgente tanto na Atenção Primária quanto nos hospitais é garantida para todas as pessoas. A prescrição de fármacos feita pelo médico de família tem um pagamento compartilhado por parte do paciente em função de seu nível de receita mensal. As pessoas com rendas muito baixas ficam isentas do pagamento compartilhado.
8) Poderias explicar de forma bem sucinta qual é o papel do Médico de Família na Espanha?
Os médicos de família na Espanha trabalham, na sua maioria, em centros de saúde pertencentes aos serviços de saúde regionais, fazendo parte de uma equipe de Atenção Primária e trabalhando coordenadamente com os profissionais de enfermagem. Os médicos de um centro de saúde oferecem consultas médicas em função da demanda do paciente, como também programadas para fazer um acompanhamento dos processos crônicos; eles também realizam visitas no domicílio dos pacientes dependentes, tanto de uma forma programada como por solicitação do próprio paciente.Ele tem o apoio de um profissional de enfermagem para as atividades de promoção da saúde, acompanhamento de pacientes crônicos e de pacientes dependentes em domicílio, como também a coleta de sangue, autorização de medicação e curas. Nos centros de saúde rurais, os médicos realizam a atenção continuada de 24 horas, para que a população sempre tenha acesso a um médico de família de forma programada ou urgente e de uma forma muito acessível.
Tradução - Jacob Pierce
0 comentários