Portugal foi o país escolhido pela residente Lais Melo realizar seu estágio
04:22:00
Realizei o estágio em
Portugal, no período de 07/04/2015 a 06/05/2015 e tive como objetivo conhecer a
formação médica proposta em cursos inovadores como o curso de medicina da Universidade
do Algarve, em Faro e a atuação dos "médicos gerais e familiares" (MGF)
em diferentes cidades (Monchique, Faro, Lisboa). Portugal tem centros de saúde
comunitários desde 1971, e a cobertura generalizada do território nacional
pelos Cuidados de Saúde Primários (CSP) foi alcançada após a criação do
Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1979, e desde então tem passado por reformas
ao longo dos anos.
Em Monchique, fiquei
sob a supervisão da Dra Ana Paula do Vale nos dias 07 a 13/04, onde pude
acompanhar atendimentos médicos e de enfermagem, e assim perceber algumas
semelhanças importantes das condições de saúde daquela população com as de
algumas regiões do Brasil. A cidade fica em uma região serrana, e tem uma
população de menos de 7000 habitantes, sendo composta em sua maioria por
idosos, com os seus problemas crônicos e de saúde mental (transtornos de humor,
demência, abuso de tabaco/álcool).
Em Faro, pude
acompanhar a Dra Rubina Correa nos dias 14 a 21/04, na USF Ria Formosa e na USF
de Faro. A dinâmica de trabalho é semelhante à que vi no UCSP em Monchique,
porém com mais demandas agudas e uma população mais jovem. Essas unidades já
possuem uma remuneração diferenciada, de acordo com os resultados alcançados
baseados nos indicadores contratualizados com a gestão (algo semelhante ao que
ocorre hoje no Rio de Janeiro, porém percebi uma cobrança mais intensa em
relação a isso). Em ambas as cidades também
pude ter contato com estudantes do curso de medicina da Universidade do Algarve
(Mestrado Integrado em Medicina), e no decorrer de alguns turnos nesses dias,
participei de suas aulas no modelo PBL (Problem Based Learning). Fiquei
admirada com a riqueza desses momentos, o desempenho dos estudantes e a
pro-atividade sobre os seus aprendizados. Há um diferencial bem importante
neles, pois todos já tem uma formação anterior e já trabalharam em suas
respectivas áreas por um tempo (enfermeiros, fisioterapeutas, biólogos,
podólogos, até engenheiros eletricistas!), o que contribui para que as
discussões sejam marcadas por suas experiências prévias e também que os mesmos
já possuam algumas habilidades de comunicação e busca de informações. A maior
parte do curso é baseada em sessões de PBL, e ainda existem algumas aulas no
modelo tradicionalmente conhecido em nossas universidades, além de atividades
nas unidades de saúde algumas vezes na semana, desde o seu primeiro ano
(importante: nos dois primeiros anos, o contexto de aprendizagem prático é em
ambiente de Atenção Primária de Saúde, com tutores que são Médicos Gerais e
Familiares).
Foi também
interessante ver que a agenda semanal dos médicos tem dias específicos de
consultas para adultos, crianças ou gestantes, mas isso não impede que os
mesmos possam ser vistos em outros dias; Em ambos os tipos de serviço, USF e
UCSP, as equipes são compostas por apenas um médico, um enfermeiro e um
secretário administrativo, e a lista de pacientes não correspondem a um
território adscrito, como no Brasil, sendo o paciente livre para escolher o seu
médico até que a lista dele se complete. Atualmente, essas listas variam de
1500 a 2000 pacientes.
Em Lisboa, permaneci
nos dias 22/04 a 06/05 na USF Carnide, com a orientação da Dra Alexandra
Castro, onde também pude participar de atendimentos médicos, tanto com ela
quanto com a sua interna (residente) do quarto ano, Maria Cândida, e de
enfermagem. Também pude acompanhar consultas de prevenção do câncer do colo do
útero e observar a inserção de um implante subcutâneo de progesterona.
Em suma, alguns dos
principais pontos que observei de forma comparativa à nossa realidade no
Brasil:
Semelhanças:
Dificuldade em gestão
do tempo/atrasos;
Interrupções (menos
frequentes e por telefone);
Desmotivação dos
profissionais sobre o contexto da gestão;
Prontuário eletrônico
x tempo com o paciente;
Falta de preparo dos
secretários para o acolhimento dos pacientes;
Falta de interação
com os outros serviços (contra-referência pouco utilizada).
Diferenças:
Número de
pacientes/lista;
Equipe (médico,
enfermeiro, secretário);
Sala de espera
distante dos consultórios;
Visitas domiciliares
médicas menos frequentes (existem equipes responsáveis por pacientes com
limitações para sair do domicílio);
Proporção
residente/orientador (1:1 ou 2:1);
Médicos que já estão
há mais de 5 anos no mesmo serviço (maior vínculo com a equipe, ou mesmo dificuldade
para mudar de equipe ou de unidade);
Programa de
residência em MGF com duração de 4 anos;
Horários para
consultas não presenciais;
Inserção de implante
de progesterona;
Exame para prevenção
do câncer de colo do útero é realizado em sala específica e não pode ser feito
pelo enfermeiro;
Mais pacientes
programados do que consultas do dia;
Horário específico
para atendimentos de urgência, com escala entre os médicos;
Agendas setorizadas
(hipertensão, diabetes mellitus, gestantes, crianças...);
Declaração de
comparecimento é cedida pelo administrativo;
Taxa moderadora;
Organização do
consultório (ambientes amplos; a mesa separa o médico do paciente);
Atividades teóricas
na residência são menos frequentes (1x a cada 2 semanas);
O processo de seleção
para a entrada na residência médica é unificado e consiste em uma prova baseada
no tratado de medicina interna do Harrison.
CONCLUSÃO
Percebe-se
que Portugal não está em um bom momento, a crise econômica repercute em todos
os setores da sociedade. Os desafios à pratica de uma medicina centrada na
pessoa e baseada em evidências também são grandes, assim como a falta de
interação com os outros níveis de atenção à saúde e a mercantilização da
prática médica. Ainda assim, essa experiência sobre a atenção primária de saúde
nesse país contribuiu especialmente na minha formação como médica de família no
Brasil, pois fez-me ver o quanto ainda podemos e vamos avançar. Mesmo com as
nossas limitações diárias, estamos motivados à mudança, o que é admirado pelos
próprios portugueses, além de outros aspectos, como o modelo do nosso trabalho
multiprofissional. Poder compartilhar os desafios e as motivações com
profissionais engajados e que acreditam em uma atenção primária fortalecida na
figura do médico de família, como a Dra Ana Paula, a Dra Rubina, a Dra Alexandra
e o Dr Luis Felipe, foi restaurador para continuar o meu trabalho no Brasil.
Relato estágio: Lais Melo
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