Residente Lina Domingues relata seu estágio em Consultório de Rua
06:01:00
Residentes
de Enfermagem Noeme e Nycolle e Eu.
Relato da experiência do estágio em Consultório de Rua realizado
pela residente da CF Santa Marta Lina Paula dos Santos Domingues.
Residente: Lina Paula dos Santos Domingues
Clínica da Família: Santa Marta
Estágio realizado: Consultório na Rua Clínica da Família Victor Valla – CAP 3.1
Período: 18/09/2017 a 29/09/2017
Segundo o Departamento de
Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde, a estratégia Consultório na Rua
foi instituída pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), em 2011,
visando a ampliação do acesso da população em situação de rua aos serviços de
saúde, ofertando, de maneira mais oportuna, atenção integral à saúde para esse
grupo populacional, o qual se encontra em condições de vulnerabilidade e com os
vínculos familiares interrompidos ou fragilizados.
O Consultório na Rua (CR) é composto por equipe multiprofissional, que desenvolve ações integrais de saúde frente às necessidades dessa população. As equipes devem realizar suas atividades de forma itinerante e, quando necessário, desenvolver ações em parceria com as equipes das Unidades Básicas de Saúde do território. O Consultório na Rua com base na Clínica da Família Victor Valla opera na modalidade III e o diagnóstico situacional da população atendida por ele é brevemente descrito no site da Fiocruz, que cita que o mesmo foi criado em 2011, em Manguinhos, com o papel de realizar o acolhimento e as ações de prevenção, cuidados primários e promoção da saúde, articulando o conjunto de equipamentos e de equipes intersetoriais do território e fora dele. Descreve que a população da região que se encontra em situação de rua está, na sua maioria, envolvida com o uso abusivo de crack, álcool e outras drogas e a atenção à sua saúde constituiu pauta de reivindicação dos moradores de Manguinhos na Conferência Local de Saúde, realizada em 2011.
O trabalho com os usuários de álcool e outras drogas é realizado de acordo com a Política de Saúde Mental e da abordagem da Redução de Danos. Esta é uma estratégia que acolhe e presta cuidados de saúde ao usuário, mesmo quando ele não consegue manter abstinência das drogas - buscando a redução dos riscos tanto orgânicos quanto sociais.
O CR possui uma VAN que
permite a realização do trabalho itinerante através de consultas e ações
sociais na rua, conseguindo chegar a todos os pacientes cobertos pelo
território adstrito. Além disso, fornece consultas ambulatoriais no consultório
fixo, que está estabelecido no consultório 10, da CF Vitor Valla.
Atividades desenvolvidas
- Entrega
de medicações para pacientes em tratamento de tuberculose, acompanhamento
de consultas realizadas pelo enfermeiro Marcelo e participação em uma ação
social na Avenida Brasil realizada pela parceria entre Consultório na Rua,
CAPS AD, CREAS e ONG Redes da Maré. Foi organizado um bazar em uma tenda
móvel na Avenida Brasil para doação de roupas, acessórios e maquiagem
visando a promoção do auto-cuidado, além de oferta de lanches a todos
atendidos no bazar.
- Saída
de VAN com ACS Rejane e dentista Dellaney. Fomos à cracolândia da
comunidade Nova Holanda para entrega de medicação de tuberculose à 3
pacientes, distribuição de preservativos e medicamentos. Observo a
presença expressiva do tráfico no local e, durante os atendimentos, fomos
abordados pelos traficantes que solicitaram o diagnóstico de gravidez em
uma das usuárias, pois segundo os mesmos, se ela estivesse gestante seria
expulsa da cracolândia. A paciente foi conosco na VAN até a clínica e foi
diagnosticada gravidez e sífilis. Como a paciente estava sob efeito de
drogas (acabara de consumir crack), a equipe optou por levá-la de volta e
fazer tratamento/abordagem em outro momento.
- Acompanhamento
de consultas ambulatoriais com o enfermeiro Marcelo e ida ao cartório de
Botafogo para aquisição de documentos por um morador de rua, que os havia
perdido.
- Acompanhamento
de consultas ambulatoriais com a médica Dra Valeska e ida ao território de
Manguinhos com Dra Valeska e ACS Rejane para procurar 4
crianças/adolescentes que perderam a mãe por abuso de drogas há 2 meses e
encontram-se em situação de rua/vulnerabilidade econômica e social. O mais
velho está foragido da pena de menor infrator, os demais não têm passagem
pela polícia. Estavam todos dormindo em uma casa em Manguinhos, que está
alugada pelos tios Janaina (usuária de drogas que se encontra em
tratamento no CAPS) e George.
- O
estágio me permitiu conhecer o dia a dia da atuação de uma equipe de
consultório na rua, seu papel no cuidado em saúde dos pacientes em
situação de rua e, ainda, conhecer alguns serviços da RAPS. Foi uma
experiência ímpar, de muito aprendizado e crescimento pessoal e
profissional.
- Fizemos
ainda busca ativa para responder uma solicitação do Ministério Público
quanto a possíveis endereços de um paciente que apresentava mandato de
busca e apreensão. Descobrimos que o mesmo já se encontra preso
(conseguimos contato com a mãe dele, que nos informou).
- Visitamos
ainda uma cracolândia de Manguinhos para distribuir preservativos e
medicamentos.
- Acompanhamento
de consultas ambulatoriais com Dra Valeska e ida à Unidade de Acolhimento e Reinserção Social Stella
Maris entregar medicamentos de tuberculose para uma
paciente que encontrava-se em situação de rua e realizava seu tratamento
pelo consultório na rua.
- Acompanhamento
de consultas ambulatoriais com enfermeiro Marcelo e Dra Valeska.
Participação de uma reunião extraordinária realizada no CAPS AD Mirian
Makeba após uma ação da polícia civil na cracolândia da Av Brasil em 28/09
(Matéria: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/videos/t/todos-os-videos/v/policia-civil-faz-operacao-em-cracolandia-da-avenida-brasil/6179399/).
Estavam presentes o Consultório na Rua, a ONG Redes da Maré, CREAS e CAPS
AD. A pauta foi a discussão de estratégias para proteger os pacientes das
ações e mediar uma reunião com outros dispositivos sociais para enfrentar
a ação e suas repercussões.
Conclusão
O Consultório na Rua entra
em cena diante de um panorama intrincado em termos de assistência à saúde para
pessoas em situação de rua, com uso problemático de crack, álcool e outras
drogas. A desinstitucionalização, que ganhou efetividade nos anos 1990 no
Brasil, enfocando a população segregada em manicômios, pouco aportou sobre os
segmentos que não experimentaram a internação manicomial ou portadores de
agravos psíquicos sem acesso aos serviços regulares de atenção à saúde mental.
Não houve uma política social e de saúde que pensasse sobre o sofrimento ou
transtorno psíquico e o acolhimento da população em situação de rua. As pessoas
em situação de rua passaram, no imaginário social, a serem vistas como os
“novos desviantes da sociedade”, como perigosas, devido ao seu consumo de
crack, álcool e outras drogas, e porque perambulam pelas ruas, pedindo ou
roubando para sustentar sua droga-dependência, deixando de ser “sujeitos
desejantes para serem meros objetos inertes e irresponsáveis, quanto aos seus
próprios atos”. O cenário que temos é: de um lado, propostas de internação
compulsória e desmantelamento dos lugares de consumo de drogas
(“cracolândias”), via ofensiva policial, sem um mínimo de planejamento que
inclua tal população em programas de acolhimento de suas necessidades sociais.
Do outro lado, fazem-se presentes ações do Ministério da Saúde (MS) em
composição com representantes dos trabalhadores da saúde e da assistência
social, e de movimentos ligados à população em situação de rua.
Durante o estágio optativo
no Consultório na Rua (CR) pude perceber essa dualidade presente nos diferentes
dispositivos sociais e constatei que o CR faz parte das redes de saúde e
intersetorial, nas quais se insere na intenção de produzir uma terapêutica singular
para cada pessoa/coletivo em situação de rua. Para a prática de cuidado
abrangente o CR está inserido em uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A
RAPS deve encadear serviços especializados de saúde e de assistência social:
Centros de Referência Especializada de Assistência Social, Unidade Básica de
Saúde (UBS) e Estratégia Saúde da Família, Núcleo de Apoio em Atenção Básica,
CR, Centros de Atenção Psicossocial (para usuários de álcool e outras drogas –
Caps-ad e para atendimento à infância e adolescência – Caps-i), Unidades de
Acolhimento e Serviços Residenciais Terapêuticos, além das Comunidades
Terapêuticas, todos potencialmente matriciados (apoiados colaborativamente)
pelos Caps-ad, com equipe profissional mais diversificada e especializada, com
funcionamento ininterrupto (Caps-ad III).
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