Experiência em Lisboa é apresentada pelo RS Márcio de Almeida
06:51:00
Residente: Márcio Machado de Almeida
Unidade: CMS Píndaro de Carvalho Rodrigues
Período: 01/04/2019 a 30/04/2019
Local: Centro de Saúde de Sete Rios,
Lisboa, Portugal
- Introdução
Iniciei minhas atividades do estágio
eletivo no dia 01 de abril de 2019 no Centro de Saúde de Sete Rios em Lisboa.
Escolhi Portugal como local do meu eletivo pois quis vivenciar um local em que
a atenção primária e a Estratégia de Saúde da Família está mais desenvolvida e
madura, aproveitando a rica troca de experiências e vivências que daí se
resulta.
Portugal dispõe de um sistema público
e universal de saúde, chamado de Serviço Nacional de Saúde (SNS), implantado em
1979 após o do fim da ditadura salazarista, que durou 41 anos, no contexto da
redemocratização do país com a Revolução
dos Cravos de 25 de abril de 1974.
Diferentemente do SUS brasileiro,
porém, o SNS não é gratuito. Para dele usufruir, o usuário deve pagar uma taxa
correspondente ao tipo de serviço que irá utilizar. Quem é cidadão português e
está inscrito no SNS paga uma taxa mais baixa, chamada de “taxa moderadora”. Os
estrangeiros, porém, pagam uma taxa significativamente mais elevada. Como
exemplo, uma consulta com o médico de família custa 4,50 euros para os cidadãos
portugurses e 36,50 euros para estrangeiros.
Da mesma forma, o SNS não dispõe de
exames complementares em sua rede, devendo seus usuários procurar clínicas
particulares para realizá-los. O custo desses exames é subsidiado pelo governo,
diminuindo de maneira importante o valor final para o usuário. O mesmo acontece
com os medicamentos: o governo não os oferece gratuitamente, entretanto, a
maioria deles é subsidiada. Com a receita médica fornecida por um médico da
rede, porém, o paciente pode comprar seus medicamentos por um preço reduzido em
qualquer farmácia. Esse modelo tem a vantagem de reduzir significativamente os
custos do sistema de saúde, já que o governo não precisa gastar recursos com a
compra e manutenção de equipamentos ou medicamentos, podendo, assim, prestar um
cuidado de maior qualidade à sua população. Outra vantagem desse modelo é que,
dessa maneira, o paciente tem acesso a medicamentos considerados mais eficazes
no tratamento a que se propõe, porém são mais caros. Um exemplo disso é a
atorvastatina, com ampla evidência de ser superior à sinvastatina na redução do
LDL e aumento do HDL. No Brasil, os pacientes do SUS não tem acesso a
atorvastatina pois seu preço é alto e o estado só fornece a sinvastatina. Em Portugal,
porém, o preço da atorvastatina é co-participado com o governo; dessa maneira
os pacientes têm acesso a um medicamento mais eficaz pagando cerca de 2 euros
por mês.
O Centro de Saúde de Sete Rios (CSSR)
se localiza na freguesia de São Domingos de Benfica e pertence ao Agrupamento
de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Norte, que foi criado em Março de 2009. O
ACES Lisboa Norte ocupa a zona norte da cidade de Lisboa, com uma área
geográfica de 34,91 Km2 e presta cuidados de saúde primários aos residentes de
dez freguesias que ficam em seu entorno. O ACES é uma divisão administrativa
semelhante às Áreas de Planejamento no Rio de Janeiro, sendo, portanto,
responsável pela gerência das unidades de saúde de determinada região. O CSSR
atende os residentes de três dessas freguesias: Campolide (2,8 Km²), Nossa
Senhora de Fátima (desta, apenas a área correspondente ao Bairro de Santos –
1,9 Km²) e São Domingos de Benfica (4,2 Km²), possuindo atualmente 107363
pacientes inscritos.
Como no Brasil, cada unidade de saúde
primária é responsável pelo cuidado de sua população adscrita. Diferentemente
do Brasil, porém, a população portuguesa também possui unidades de atenção
secundária e terciária de referências. Portanto, caso um cidadão necessite de
atendimento hospitalar, ele só irá obtê-lo em seu hospital de referência. Em
caso de emergências, o cidadão recebe os primeiros cuidados em qualquer
hospital, mas logo é encaminhado para sua unidade de referência.
Em relação ao perfil demográfico da
unidade, o envelhecimento da população chama a atenção. Esse dado é analisado
utilizando-se o índice de envelhecimento da população, que consiste na razão
entre o número de indivíduos com idade maior que 65 anos e o número de
indivíduos com idade entre os 0 e os 14 anos multiplicado por 100. Portugal é
um país em que se observa um envelhecimento acelerado de sua população,
inclusive com sua redução devido às baixas taxas de natalidade, e essa
característica se mostra mais evidente na unidade em que estagiei. O índice de
envelhecimento da cidade de Lisboa, por exemplo, era de 203, o que significa
que para cada 100 jovens existem 203 idosos. Já nas três freguesias cobertas
pelo CSSR, o índice de envelhecimento em 2017 ficou em 245.
2. Atividades Desenvolvidas
a) Primeira Semana: Medicina Geral e Familiar
Iniciei o estágio no dia 1 de Abril
de 2019 e, nessa primeira semana, acompanhei os atendimentos da médica de
família Dra Rita Molinar, que realizou atendimentos de planejamento familiar,
pré-natal, saúde infantil, saúde do adulto e consultas de cessação do
tabagismo. Essas linhas de cuidados são divididas em turnos de atendimentos e
logo no primeiro dia pude perceber que a significativa maioria dos pacientes
atendidos era de idosos com problemas crônicos de saúde. Por conta disso, a
maioria dos turnos de atendimentos da Dra Rita é para essa população.
Nesta semana aprendi sobre algumas
particularidades da prática da MFC (ou
MGF, como é chamada localmente) em Portugal. Não há equipes de saúde da família
ou agentes comunitários. Devido a isso, o número de pacientes para cada médico
de família é menor do que o número de pacientes por equipe com o qual estou
acostumado no Rio de Janeiro. Os pacientes são distribuídos em listas para cada
médico de família, privilegiando-se a estrutura familiar, ou seja, membros da
mesma família devem ser vistos pelo mesmo médico, sendo que, para chegar a um
valor máximo de pacientes por médico, utiliza-se um sistema de unidades
ponderadas, com um tipo de paciente tendo um peso maior do que outro. Dessa
forma, a lista de inscritos por cada médico deve ter uma dimensão mínima de
1917 unidades ponderadas (cerca de 1550 pacientes), e dimensão máxima de 2358
unidades ponderadas (cerca de 1900 pacientes). As unidades ponderadas são
obtidas da seguinte forma:
●
O
número de crianças de 0 a 6 anos de idade é multiplicado por 1,5
●
O
número de adultos entre 65 e 74 anos de idade é multiplicado por 2
●
O
número de adultos com idade igual ou superior a 75 anos é multiplicado por 2,5
Quando o número máximo de pacientes
por médico é atingido, sua lista é fechada, não se aceitando novos pacientes.
Os novos pacientes deverão ir para a lista de outro médico e, caso não haja
mais médicos de família disponíveis, esses pacientes ficarão sem médico de
referência. Dessa forma, os médicos da unidade se revezam para prestar
assistência a esses pacientes.
b) Segunda Semana: Saúde Pública
Durante a segunda semana acompanhei
diversos profissionais do setor de saúde pública, que é uma especialidade
médica reconhecida em Portugal, equivalente a Medicina Preventiva no Brasil.
No primeiro dia acompanhei o serviço
de juntas médicas, que estão disponíveis para pacientes que possuem
incapacidades de saúde e que, por isso, desejem requisitar isenção das taxas
moderadoras, isenção de imposto de renda e outros benefícios fiscais. Para tal,
o paciente é avaliado por uma junta, que leva em consideração critérios
objetivos para dizer se o paciente tem direito ou não aos benefícios. O governo
português montou uma grande tabela de incapacidades e designou pontos
percentuais para cada uma. Para ter direito aos benefícios o paciente precisa,
então, somar 60% de incapacidade total. Como exemplo, qualquer tumor maligno
ativo soma 60% automaticamente, já dando direito aos benefícios. Nesse caso, o
paciente é reavaliado após 5 anos e, caso o quadro tenha se estabilizado, a
porcentagem cai para 25%. De fato, a maioria dos pacientes que procurou o setor
foram casos oncológicos.
Acompanhei, também, setor de
consultas do viajante. Nesse setor são realizadas consultas de orientações
profiláticas (incluindo vacinas) e aconselhamentos para pacientes que irão
viajar para países tropicais. Além de receberem orientações alimentares para
prevenção da diarreia do viajante, notei que todos os pacientes receberam
prescrição preventiva para diarreia do viajante, que contém, não só o soro de
reidratação oral, mas também prescrição de antibiótico, em caso de disenteria.
Nessa semana também fui a campo com
duas técnicas em saúde pública, que realizaram a avaliação da qualidade da água
de piscinas públicas do território. Recolhemos a água de piscinas de academias
de ginástica, clubes e de uma escola. Usando equipamentos próprios, foi
analisada a concentração de cloro na água, a sua temperatura, a umidade e a
temperatura do local. Além disso, foram colhidas amostras de água da superfície
e de água profunda para envio ao laboratório e análise da presença de
microrganismos. Esse é um trabalho importante de prevenção de doenças, já que
uma água de má qualidade, que propicie ao surgimento de microrganismos, pode
desencadear surtos de doenças de pele ou conjuntivite nesses locais.
C) Terceira Semana: Medicina Geral e Familiar
Na terceira semana voltei a
acompanhar a Dra Rita Molinar em suas consultas. Nesta semana pude acompanhar
os atendimentos de pré-natal, saúde da mulher e planejamento familiar, que são
feitos na segunda-feira pela manhã. A Dra Rita no momento possui quatro
gestantes no momento, sendo que apenas duas foram nesse dia. As consultas são
sempre realizadas junto com uma enfermeira, que é responsável por pesar, medir
fundo uterino, auscultar BCF etc, enquanto que a médica faz apenas as
prescrições e orientações necessárias.
Nesse dia também procuraram o setor
algumas mulheres querendo obter informações sobre os métodos anticoncepcionais
disponíveis. Diferentemente de exames e medicações, os métodos contraceptivos
são todos fornecidos gratuitamente a todas as mulheres. Uma particularidade é
que em Portugal, além dos métodos aos quais estou acostumado no Brasil, também
são fornecidos os implantes intradérmicos e o DIU hormonal (Mirena).
Acompanhei, também, as consultas do
setor de emergência da unidade com a Dra Rita. Os médicos da unidade se revezam
para cada um ficar uma vez por semana no horário de atendimento das emergências,
que vai das 18h às 20h. Nesse horário, os médicos atendem todos os pacientes
que chegam requerendo algum atendimento de emergência, independentemente do
local de moradia. São atendidas apenas queixas agudas; se o paciente tiver
alguma demanda crônica, ele é orientado a procurar seu médico de família de
referência.
D) Quarta Semana: Setor de Enfermagem
Na última semana acompanhei o setor
de enfermagem da unidade. Realizei visitas domiciliares com um enfermeiro e
acompanhei o trabalho na sala de tratamentos.
As visitas domiciliares são realizada
por enfermeiros na maior parte das vezes, e apenas em pacientes acamados ou com
dificuldade de locomoção. Os médicos realizam VDs apenas quando algum paciente
de fato precise de alguma intervenção médica. Os enfermeiros da unidade, então,
se revezam para visitarem regularmente esses pacientes.
A sala de tratamentos é para onde vai
todos os pacientes com prescrição médica para realizar algum medicamento
injetável, ou um curativo ou algum procedimento simples, para ficarem em
observação a pedido médico, ou ainda para realizar eletrocardiograma.
3. Conclusão
O mês de estágio eletivo no Centro de
Saúde de Sete Rios em Lisboa foi uma experiência extremamente enriquecedora
para minha prática. As semelhanças e diferenças com a realidade brasileira
serviram como reflexão para oportunidades de melhoria quando retornar à minha
prática no Brasil. Pude vivenciar outra realidade, em que a estratégia de saúde
da família já está mais consolidada que no Rio de Janeiro, tendo mais aceitação
e compreensão por parte da população.
Pude perceber que o SNS, apesar de
ter alguns problemas inerentes a todo sistema público de saúde (escassez de
especialistas, por exemplo) funciona de maneira mais eficiente que o SUS no
Brasil, com maior aprovação da população. A população e o território menores
certamente facilitam a administração, além do que, o fato de o SNS não ser
totalmente gratuito traz algumas vantagens frente ao SUS. A primeira é que gera
uma maior quantidade de recursos para a gestão do sistema. Além disso, por ter
que pagar pelo menos uma pequena parte do seu tratamento, o usuário é mais
conscientizado quanto ao uso racional do sistema público e dos seus recursos
finitos. No Brasil, por ser o SUS financiado 100% com impostos da população,
mesmo pessoas saudáveis que não o utilizam bancam, via impostos, todo o
sistema. Já em Portugal, apesar de grande parte do SNS ser também financiada
com impostos, há uma parcela do orçamento que é paga apenas por quem o utiliza,
tornando, assim, o sistema mais justo de maneira geral.
Em conclusão, vivenciar a realidade
de outro sistema público de saúde foi uma experiência muito enriquecedora e me
fez pensar se poderíamos melhorar o nosso sistema adotando algumas dessas
práticas adotadas em Portugal e que funcionam muito bem.
Exterior do Centro de
Saúde Sete Rios.
Interior do Centro de Saúde Sete Rios.
Tabela de taxas moderadoras cobradas aos
usuários
Consultório médico da Dra Rita Molinar
Unidade Saúde Pública do Centro de Saúde.
Avaliação da qualidade da água de piscinas públicas do território
0 comentários